quinta-feira, 4 de junho de 2009

Destruição da rádio comunitária: triste espetáculo da Anatel


Primeiro foi em São Paulo, com direito a reportagem no Jornal Nacional. No dia 8 de abril, a Anatel destruiu, com autorização da Justiça, oito toneladas de equipamentos apreendidos nos últimos sete anos em operações de fiscalização do Escritório Regional de São Paulo.

Por Lia Ribeiro Dias, no Tele Síntese

A destruição foi realizada no aeroporto de Congonhas, por máquinas cedidas pela Prefeitura da cidade. Para o ato, foi convidado o prefeito Gilberto Kassab, que acionou o rolo compressor para esmagar antenas, transmissores, receptores, discos de vinil e Cds.

Em 27 de maio, o triste espetáculo se repetiu em Betim (MG), quando foi esmagada, também com autorização judicial, 1,5 tonelada de equipamentos apreendidos nos últimos dez anos. O evento também foi amplamente divulgado.

Fiscalizar o funcionamento das rádios e emissoras de televisão e outros serviços que usam o espectro radioelétrico, e apurar denúncias de operação irregular ou não autorizada são funções da Anatel. Funções importantes para impedir a interferência de um serviço em outro e garantir a segurança dos serviços de radionavegação nas proximidades dos aeroportos.

Não raro, a fiscalização da Anatel lacra emissoras clandestinas que prejudicam as comunicações entre aeronaves e a torre de controle. No final de maio, interrompeu o funcionamento de uma rádio FM em São Paulo, com transmissores instalados na Serra da Cantareira, que no dia anterior tinha interferido nas comunicações entre a torre de controle de Congonhas e aeronaves, obrigando três delas a pousarem em outros aeroportos.

Sob holofotes

O fato de prestar um serviço importante não dá à Anatel o direito de politizar o processo de fechamento de emissoras que operam sem autorização, muitas delas rádios comunitárias com transmissores de baixa potência que recorreram à ilegalidade diante do cipoal burocrático de dificuldades para obter uma licença.

O órgão regulador pediu à Justiça autorização para destruir os equipamentos apreendidos ao longo de vários anos, para não continuar gastando dinheiro público com o aluguel do espaço onde se guardava o material. Mas deveria ter feito a destruição longe das luzes dos holofotes da mídia.

O caminho foi justamente o inverso: o script da cerimônia de esmagamento dos transmissores e antenas apreendidos parece ter sido desenhado para reforçar a campanha dos radiodifusores pela criminalização das rádios comunitárias.

É bem verdade que uma parcela expressiva das rádios que se dizem comunitárias são na verdade comerciais, a serviço de causas religiosas ou políticas (estas surgem especialmente em anos eleitorais). Mas uma parcela das 3.652 comunitárias autorizadas a funcionar legalmente, estimada em 20% pela Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), é comunitária mesmo.

Rádios que prestam relevantes serviços sociais e criam um espaço de expressão cultural e social para suas comunidades. Há cerca de outras 12 mil que operam ilegalmente, segundo a Abraço. Muitas não conseguiram se institucionalizar graças ao peso da burocracia, que cresceu exponencialmente depois que o governo, na administração Fernando Henrique, fechou os escritórios regionais do Ministério das Comunicações, concentrando todo o processo de avaliação da documentação dos serviços de radiodifusão em Brasília.

A institucionalização das rádios comunitárias se deu em 1998, com a regulamentação da lei que permite que o governo autorize uma rádio comunitária por localidade, exclusamente em frequência modulada (FM), com a cobertura restrita à comunidade de um bairro ou vila, operada em potência máxima de 25 W e antena não superior a 30 metros.

O novo projeto de lei

Chama também a atenção que a Anatel tenha decidido midiatizar a operação de descarte do material apreendido em operações clandestinas — a fiscalização já fechou rádios com pedidos de outorga em análise no Minicom — pouco depois de o governo enviar ao Congresso Nacional projeto de lei que retira o caráter criminal do ato de operar serviço de radiodifusão sem concessão, uma antiga reivindicação dos setores da sociedade civil ligados à comunicação social.

Somente continuará prevista no Código Penal, sujeita a cinco anos de prisão, a operação sem licença de estação de serviços de radiodifusão que expor a perigo a segurança de serviços de telecomunicações de emergência, de segurança pública ou de fins exclusivamente militares. As outras infrações, como o uso de equipamentos fora das especificações autorizadas e a operação de estação de radiodifusão sem concessão ou licença, deixam de ser crime e passam a ser consideradas infrações administrativas grave e gravíssima, sujeitas a apreensão do equipamento, multa e até suspensão do processo de autorização da outorga.

Embora o projeto de lei não atenda a todas as reivindicações do movimento de rádios comunitárias, ele representa um avanço frente ao quadro atual e, por isso, conta com a oposição da Abert, entidade que reúne os radiodifusores. A polarização indica que as discussões serão acalarodas. Mas o palco do debate é o Congresso Nacional. Não cabe à Anatel tomar partido, politizando uma ação meramente administrativa.

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